Imagem: CNJ
Transcrição das anotações
Aula com o Dr. Ricardo Pereira Júnior
30 de outubro de 2012, Fórum João Mendes, TJSP
INTRODUÇÃO
Há um lugar novo no
Judiciário. Isso porque o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) constatou a
ineficiência dos métodos de solução de conflitos.
De Vicente Cernicchiaro (Ministro
do STJ): Nosso processo é um processo intelectualizado, que veio da Alemanha,
da Itália. Na verdade, o que as pessoas querem é uma solução, não um debate
intelectualizado, formal.
Doutorado na área de Filosofia
do Direito. Curso no exterior em solução de conflitos.
Se fizesse especialização em
Direito Processual, explicaria o carro a partir da roda.
Na realidade, todos falam
que existe uma enorme carga de complexidade da Justiça – um cipoal -, que
demanda especialização. Uma especialização progressiva do conhecimento humano,
em todas as áreas.
O processualista da área do
Direito, do consumidor etc. gera a necessidade do Judiciário interferir para esclarecer
direitos.
O contrato de seguros –
nunca teve fim lucrativo desde o século XV, XVI. Quando criado, o foi para que
determinado bem não se perdesse. Sempre foi assim.
Com o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) criou-se uma regra específica para o consumidor. Se a
seguradora ofertou indenização de setenta mil, o consumidor vai receber mais e
não o valor de mercado, se este for menor.
Temos direitos subjetivos
conflitantes. Conforme a massa de conhecimento se ramifica, perdemos a...
harmonia
e criam-se direitos subjetivos conflitantes. Estes direitos subjetivos
conflitantes são direitos para o Judiciário, que é capaz de impor uma solução
centralizada.
O direito torna-se pouco
harmônico, complexo, porque preciso de dependo do Judiciário para solucioná-lo
(Mauro Cappelletti).
Código Napoleônico: havia
grandes normatividades do século XIX. Eram sociedades de pequena complexidade
comercialmente. Comércio, indústrias, operários. Pouca mobilidade. A
normatividade era pequena e suficiente.
À medida que existe maior cambialidade
social e maior necessidade de normas, o direito torna-se mais complexo. Hoje
existe uma sociedade de massa e temos multiplicada a normatividade.
Eu tenho: aqui, cartões; em
casa, a empregada doméstica; na loja, a aplicação do CDC; no clube, as normas
do clube. Todos nós temos um tipo de normatividade que nos liga a um direito,
que pode levar a um conflito.
Agências reguladoras:
refletem o tipo de normatividade criada. Normas do executivo x CDC. Direito
bancário: os bancos invocam as normas do Banco Central x CDC. Palavra final: o grande
receptáculo desta legislação criada nos séculos XIX e XX é o Judiciário.
Cappelletti: “É o Judiciário
paquidérmico, gigantesco.” Não é um elogio. Há perda de precisão. Depende do
Judiciário para eliminar a imprecisão da lei.
Não há profissional que
tenha conhecimento da plenitude do sistema legal. Este é o desafio do
Judiciário gigante. O Judiciário é o desaguadouro e corre o risco de não
atender suficientemente a demanda.
Maria Rosário Ferrareze,
professora: “É difícil, porque cabe a ele dar uma sentença a esta complexidade
gerada dentro do sistema processual.”
Juiz burocrático: é uma
disfunção do juiz do século XIX no interpretar a lei. É um aplicador da lei.
A sentença não resolve o
problema. Resolve a dúvida normativa, para as partes.
Quadro: imprecisão
normativa. Mas o juiz precisa decidir grande número de conflitos e encontrar a
forma adequada.
Kazuo Watanabe: Jurisdição é
o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função
que a lei lhe compete, em atividade substitutiva às partes.
Grau de complexidade de
solução de litigiosidade: contratar um advogado; petição inicial, cartório, distribuidor,
sistema eletrônico; número determinado de funcionários; instalação e autuação; juiz;
oficial de justiça; mandado de citação; advogado; contestação; juiz; testemunhas;
carta precatória... Esse é o processo que há hoje, para a forma normal de solução
de litígios. É extremamente custoso e trabalhado.
Com a Resolução
125 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) busca alcançar uma nova ordem
jurídica, uma ordem jurídica justa, através de outras vias de resolução de
litígios, suasória, tempestiva, justa e adequada. Pretende maior alcance e
efetividade através dessas vias. Por meio de um tempo muito melhor do que o
processual e de forma mais adequada que a sentença.
Para o artigo 5º, inciso
XXXV, da Constituição
Federal - “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”
- é uma interpretação mais adequada. É um acesso à Justiça mais adequado:
não esperar por anos para uma solução. É acessibilidade à Justiça. Não através
do processo, mas pela solução dos conflitos. Outra via que não a do Judiciário
tradicional.
Antes de 1988, o Judiciário
permitia o acesso restrito, nos moldes do século XIX. A partir de 1988, passa a
ser aberto à população. Há uma série de instrumentos que facilitaram o acesso,
como a Defensoria Pública e a justiça gratuita. Apesar de popularizado o acesso
à Justiça, o uso do processo sempre foi o mesmo.
Buscamos através deste
sistema novo um novo produto do Judiciário, que gere maior satisfação do que é
produzido, em regra, pelo Judiciário. Podemos trabalhar o conflito de forma
adequada. Podemos desenvolver sistemas de conciliação. Por exemplo: quero trazer
meu irmão, porque a dívida foi feita por causa dele. Posso? No processo normal,
não.
A mãe deixou um terreno para
os quatro filhos. Ela casa, e tem quatro filhos. Um deles perde o emprego e não
pagou o IPTU. A cizânia fica instalada na família. Depois de três, quatro sessões,
consegue-se instalar a harmonia na família.
Recompõe-se o tecido social sem a necessidade da movimentação do
processo. É uma fórmula mais adequada do que a velha via processual normal.
Kaplan (Administrador de
empresas, especialista em sociologia e comportamento humano) produziu estudos
na área.
O juiz decide. Aplica uma
sanção à parte contrária. Há a imposição involuntária de uma decisão à parte.
Na conciliação, há um
acréscimo, um convite de somar
a vontade das partes à vontade do Estado. Não temos o Estado-juiz impositor,
que coloca sua vontade às partes.
Temos, na conciliação, um
produto de qualidade muito maior do que a vontade imposta às partes. Porque a
parte, porque foi convidada, vê sua parcela de contribuição respeitada.
INFORMAÇÃO
– PACIFICAÇÃO – CIDADANIA: SÃO SUBPRODUTOS
Informação
A parte é informada de seus
direitos, o que não acontece do processo normal. Quem trabalha é o advogado.
Existe uma terceirização da ambivalência. Existe uma alienação dos direitos,
que são preocupação do especialista. Este quadro colide com o processo de
conciliação. A parte é informada e é o ator principal. É uma reviravolta profunda do ponto de vista
do processo tradicional, quando a parte permanece inerte e o jogo legal é
jogado por especialistas – advogados e juízes.
Se é dada a oportunidade de
essas pessoas colocarem seus direitos veremos quem têm razão. Quando falamos
bastante, nos abrimos à interlocução. Se o juiz não abre essa possibilidade,
perde a oportunidade da interlocução para uma solução não conflituosa do
litígio.
Modificações à sistemática
atual podem dar voz às partes. As partes passam a ocupar o papel central e os
especialistas, papéis periféricos. O homem volta ao centro.
Pacificação
Muitas vezes, o juiz decide,
mas o litígio continua. As partes recorrem. Resistem. A sentença não resolve.
Não pacifica. Por isso a busca por uma outra via. Para a sensibilização das
partes litigantes. O processo não leva a lugar nenhum, senão à exacerbação do
conflito.
Cidadania
A parte sai cientificada de
seus direitos. Engaja-se num processo concreto pela participação.
Hoje vivemos com a
possibilidade de conflitos pela complexidade normativa. Não devemos buscar a
supremacia dos direitos sobre os outros. O direito fronteiriço pode ser melhor
trabalhado no processo de conciliação. Em um ambiente neutro, onde a lei não é
o elemento preponderante. As fronteiras não dizem que as pessoas de um e outro
lado são diferentes, mas dizem que essas pessoas têm um interesse comum.
Partes que se divorciam
tiveram no passado interesses comuns.
Banco: um dia acreditei que
esse banco fosse bom.
Objeto: retomar o tecido
social, o porquê da contenda, da ruptura desse relacionamento e trabalhar o
conflito sem trabalhar a norma de forma impositiva pelo Judiciário.
O leigo trabalhar na solução
da Justiça. Isso é bom. Bancários, professores, diretores de escolas,
psicólogos, médicos.
Temos o trabalho do jurado.
Vem da idéia do comum no julgamento de seus pares. Juízes leigos.
É uma porta tradicional a
participação do leigo, que permite o arejamento das instituições judiciais. Com
o seu ponto de vista, fornecem um arejamento. Contribuem muito.
CENTROS
Os centros são formados por três
setores:
1. Setor de cidadania –
encarregado de criar uma rede de atendimento para as pessoas que buscam o
Judiciário. Composto basicamente por psicólogos, assistentes sociais, outros
órgãos, como o Procon - Recebe pessoas com queixas. Reclamação. Não querem
indenização, mas fazer constar a reclamação - e o Serasa - informações.
Temos uma rede de
atendimento.
- Quero aposentadoria.
- Qual o seu endereço?
Mover ação contra o INSS.
Objetivo: passa r o maior
número de informações possível.
Se for atendido lá, ótimo.
Se não, estará plenamente esclarecido.
Regularização de multas de
trânsito. Passou o veículo a terceiro. O atendimento é pelo Detran. Judiciário
receptivo, com o máximo de atendimento.
O funcionário que trabalha
no CEJUSC está plenamente apto a lidar com o público. Diferente do que ocorre
no Judiciário, que normalmente trabalha com advogados.
O público normal não tem
linearidade:
- não conhece como resolver
seu problema;
- fragilidade;
- vem em estado bruto;
- sem qualquer orientação.
Essa pessoa precisa ser
acolhida no Centro. Precisa ser recepcionada. Diferente do que é o atendimento
nos cartórios. Em um atendimento demorado, diferenciado, muitas vezes complexo.
Ouvir a pessoa.
Diferente do trabalho no
Judiciário tradicional, onde temos a prática da divisão de competências: isto é
da Justiça do Trabalho.
No CEJUSC cabe ouvir. Até
onde posso auxiliar no CEJUSC?
Hoje um problema jurídico
que pode ser resolvido pela conciliação é encaminhado ao setor pré-processual.
A história não é linear. A
reclamação é colocada no sistema eletrônico, para não reproduzir nossa
estrutura tradicional, que é a cultura do papel e do processo.
A queixa é introduzida no
sistema na hora. Então, expede-se o
convite para a outra parte e a sessão de conciliação é designada para trinta,
quarenta dias. Tudo gerado imediatamente. A parte recebe na hora a data em que
deve retornar.
GERAR
COMUNICAÇÃO DE FORMA ADEQUADA
Não “Meritíssimo Senhor Juiz”,
“sob pena de revelia” etc. A linguagem é simples, clara e informal: “o juiz
convida”. Não é uma ordem, mas um convite para que a parte participe de um
processo de solução amigável do conflito.
Não há qualquer penalidade. É uma comunicação amistosa, amigável.
A parte recebe a carta e vai
ao setor de conciliação. Também o lugar deve ser acolhedor, amigável.
AMBIENTE
O ambiente deve ser claro,
envidraçado. Mesas redondas, sem pontas que indiquem a preponderância do
conciliador. Ambiente acolhedor, para que a pessoa não se sinta intimidada. Vasos, plantas, quadros. Nada que lembre um ambiente formal e intimidador.
O conciliador/negociador
está coberto pelo sigilo. Para que as partes se sintam à vontade.
Também por isso elas não são
julgadas por um juiz. Ficam à vontade. O conciliador é um terceiro que não as
julgará.
Imagem: Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de Casa Branca
HABILIDADE
DO CONCILIADOR/NEGOCIADOR
O conciliador/negociador
deve estar habilitado. A Resolução 125 exige do mediador/conciliador uma
formação específica, para maior qualidade das sessões.
O serviço não é propriamente
jurídico, mas de desarme das partes. O acordo está disponível no sistema e,
posteriormente, é homologado pelo juiz.
Gravado
no sistema: não cumpre, mas executa a decisão, o que
acelera a formação de um título executivo.
SETOR
DE CONCILIAÇÃO
As partes são trabalhadas
perante o próprio setor.
Alimentos de balcão. Mutirão
do DPVAT. Formatam-se verdadeiras linhas de produção. Autor x seguradora líder
+ seguradora associada.
Centralizamos 500/600
processos em um só lugar. Colocamos peritos. A parte é submetida à perícia. É
encaminhada à conciliação. E o preposto da seguradora está lá. No último
evento, em um lugar só, em uma hora só, houve 75% de acordos.
Também pode ser feita no pré-processual.
Já foi feito o programa da paternidade responsável. Primeiro, a corregedoria
convocou as mães com crianças sem pais nas certidões de nascimento das
crianças; como segundo passo, verificou quais mães queriam que o suposto pai
fosse à sessão de conciliação; o terceiro passo foi o convite aos pais. Aos
pais foi perguntado: “Quer reconhecer seu filho?”
A ARPEN (Associação dos
Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo) estava
presente. Não houve a necessidade de o pai peregrinar até o cartório. O
cartório foi até ele.
Não
quer registrar?
Colheu-se material genético.
Enviou-se o material ao Instituto de Medicina Social
e de Criminologia de São Paulo (IMESC). O resultado saiu em quarenta
dias. Uma reunião futura já estava marcada.
Nem isto nem aquilo
A Defensoria Pública estava
presente, para que as mães ingressassem com uma ação no foro judicial
competente.
Conseguimos maximizar o
alcance, possibilitando uma ação maciça, disponibilizando elementos que
estariam esparsos. Fizemos isso no DPVAT e na paternidade responsável.
IDENTIFICAÇÃO
DE FOCOS DE LITÍGIO QUE ACABAM DANDO RESULTADOS
Outro ponto muito
interessante no CEJUSC é o exemplo da CDHU. A CDHU é um centro para
desenvolvimento habitacional. Faz moradias subsidiadas para pessoas de baixa
renda.
Antigamente o resultado não
era bom. As pessoas perdiam e o processo demorava. Não satisfazia nenhuma das
partes. Havia muitas rescisões com reintegração compulsória da posse.
Com o centro, o departamento
jurídico da CDHU e o Judiciário entram para o Centro de Conciliação. Há de
duzentas a trezentas reclamações da CDHU por mês. Pedimos a eles que ofertassem
condições especiais aos que são atendidos no Centro. Exigir ao grande litigante
condições para não fazer do Judiciário um grande cobrador.
Em resposta:
- não cobraram juros de
mora, somente correção monetária;
- negociação em até duzentas
parcelas;
- regularização de contratos
de gaveta.
Tivemos índices altíssimos
de conciliações, entre 87 a 90%.
Interessante:
- as próprias pessoas
readequam as parcelas às suas condições – não há processo de reintegração de
posse.
- a CDHU, a partir do mês
seguinte, começa a receber os créditos do imóvel que estava em inadimplência.
Seria proposta uma ação
judicial, um processo que duraria quatro a cinco anos. São milhões que passam a
entrar no caixa da CDHU, rapidamente. Foi resolvido um problema social grande e
eliminada a inadimplência. O Judiciário conseguiu resolver de forma efetiva o
problema – algo que viraria uma ação.
Outro exemplo: nosso trabalho
com a Defensoria Pública.
Antes, a Defensoria Pública
despejava os processos no Fórum. Mas uma vez entramos com um anteparo.
Instalamos nosso programa na
sede da Defensoria, que ficou como um posto avançado do CEJUSC. Na hora é
gerada a carta, convocando a outra parte, e sabe-se na hora do dia em que se
encontrarão.
Hoje, a pessoa vai ao CEJUSC
e é marcada a sessão para daí a trinta, quarenta dias. Sabe-se o dia e hora em
que haverá a sessão.
Foram resolvidos de 80 a 90%
dos casos levados à Defensoria Pública, que virariam processos.
Não há papel, expedição de
mandados. Tudo é muito rápido.
Se tratado pela via
tradicional, a pessoa seria atendida pela Defensoria Pública. Haveria uma
petição inicial e um longo processo.
Hoje, o atendimento do
cidadão conta com a presença de um representante do Ministério Público e da
Defensoria Pública. Se não houver acordo, é atendido pela Defensoria Pública,
para o encaminhamento de uma ação.
NOVA
VISÃO DO TRATAMENTO ADEQUADO DO LITÍGIO
Preocupamo-nos com os
problemas das pessoas que estão presentes. O processo deve ser reservado para
os casos excepcionais, mas a regra deve ser a conciliação.
O nosso CEJUSC é o primeiro
do Tribunal de Justiça. Antes dele, havia setores de conciliação.
CEJUSC DA CAPITAL
CEJUSC DA CAPITAL
Recepcionam-se as partes e é
permitido o retorno, se faltar algum documento. A chave do sucesso é a voluntariedade.
Os conflitos são,
principalmente, de ordem familiar ou relativos a brigas entre vizinhos.
Zona rural: a parte pode
levar o convite.
RESULTADOS ESTATÍSTICOS
RESULTADOS ESTATÍSTICOS CEJUSC DA CAPITAL
RESULTADOS ESTATÍSTICOS
RESULTADOS ESTATÍSTICOS CEJUSC DA CAPITAL
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Maria da Glória Perez Delgado Sanches
Membro Correspondente da ACLAC –
Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.
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