Marcelo Novelino, Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Apontamentos
DIREITO À PRIVACIDADE
A vida privada e a honra, muitas vezes, estão em confronto
com o direito à informação.
O direito atual se encontra, atualmente, no estágio do pós-positivismo ou do neopositivismo.É uma dogmática que surgiu
nos últimos anos, que pretende o equilíbrio entre o jus-naturalismo e o
positivismo. É ter o direito somado à ética, para que sejam preservados os
valores. É uma tentativa de superar, ir além do positivismo jurídico. Isso
porque a legalidade formal (regras totalitárias) pode levar à
barbárie.
Características:
1. Importância atribuída aos valores – valoração – da
dignidade da pessoa humana.
É um valor supremo. Depois da 2ª Guerra Mundial, os direitos
fundamentais passaram a ser o centro das atenções.
2. Importância atribuída aos princípios e o caráter normativo
dos princípios
Os princípios foram elevados à categoria de normas. A norma é
o gênero, de que são espécies:
- os princípios e
- as regras.
Influência:
- John Rawls
- Dworkin
- Alexy (Teoria dos Direitos Fundamentais).
Dentro desta virada kantiana, podemos enquadrar o Direito
Constitucional no neoconstitucionalismo.
Características, conforme a Professora Ana Paula de Barcellos,
hoje os direitos fundamentais estão no centro da Constituição. Hoje eles vêm
antes, geograficamente.
NEOCONSTITUCIONALISMO:
ASPECTOS PRINCIPAIS:
1.
elementos metodológicos
- a normatividade da Constituição;
- superioridade;
- centralidade.
2.
elementos materiais
a)
normatividade da Constituição
As constituições, até décadas atrás, não eram vistas como um
documento jurídico, normas obrigatórias, mas como um documento político. A
Constituição não possui dispositivos desprovidos de caráter normativo. Se está
dentro, é obrigatório, é vinculante.
Hoje, isso é lógico, evidente. Mas há algum tempo atrás, não.
Hoje as normas constitucionais têm força normativa.
b)
superioridade constitucional
A constituição é a lei suprema. Influencia no controle de
constitucionalidade. Só ocorre a superioridade jurídica (supremacia formal)
quando ela é rígida.
O que caracteriza a rigidez é um processo mais árduo do que
aquele existente para as demais espécies legislativas, mais dificultoso.
Toda constituição rígida e, necessariamente, escrita.
c)
centralidade da constituição
A Constituição foi alçada ao centro do ordenamento jurídico.
É a chamada constitucionalização do direito.
Cada vez mais são consagradas normas principiológicas de
outros ramos do direito dentro da Constituição: Princípios do direito previdenciário,
processuais, do direito civil, penal etc.
A interpretação desses ramos, a partir da Constituição, é o
aspecto mais importante: a filtragem
constitucional.
É a interpretação dos demais ramos do direito, a partir da
Constituição.
A Constituição serve como uma lente, para a qual vamos
interpretar os demais ramos do direito.
Toda interpretação é, em última análise, uma interpretação
constitucional.
Porque primeiro verifica-se se a norma é compatível com a Constituição.
Se essa norma for compatível, para verificar o seu conteúdo e
o seu alcance, é preciso interpretá-la conforme a Constituição, que é o fundamento de validade das demais
normas.
Elementos
Materiais
A
colisão dos direitos fundamentais
Os elementos materiais podem ser definidos sob dois aspectos:
a)
Consagração de valores e opções políticas pela Constituição.
A dignidade da pessoa humana é o valor supremo, o ponto de
partida. É um fenômeno do neoconstitucionalismo.
b)
Conflitos que esses valores e opções políticas vão gerar
- gerais e
- específicos
CONFLITOS
GERAIS
São formas diferentes de se entender a Constituição. A
maneira como a Constituição é analisada. Existem duas correntes(1):
-
substancialista ou substancialismo e
-
procedimentalismo
A primeira (substancialista) relaciona –se ao conteúdo. Tem a
preocupação de consagrar os valores que estão no texto.
São esses valores sagrados, e devem ser respeitados pelos demais poderes.
Interpretativismo
x não interpretativismo
É uma discussão que existe na doutrina americana. O interpretativismo é a corrente mais
tradicional: função dos poderes públicos, respeitar a vontade do texto. Cabe ao
intérprete descobrir a vontade do legislador constitucional. Não pode o
intérprete “inventar”.
Não
interpretativismo. O legislador constitucional não pode impor às gerações
futuras o seu momento histórico. Assim, admite uma criação do direito pelo
intérprete.
Essas duas correntes lembram muito o substantivismo e o
procedimentalismo.
No substantivismo as cláusulas pétreas são muito rígidas.
Procedimentalismo: cada geração
discute e participa. O controle de constitucionalidade não é tão rígido. As
cláusulas pétreas são mais maleáveis.
CONFLITOS
ESPECÍFICOS
As
colisões entre os direitos fundamentais.
O que são as colisões e porque surgem?
Aparentemente, existem direitos incompatíveis entre si. Conflitos entre direitos válidos. Ambos os direitos são válidos. No caso concreto,
um deles será afastado, total ou
parcialmente.
Espécies de colisões:
- autênticas (ou colisões em sentido estrito) e
- impróprias (colisões em sentido amplo).
Colisões
autênticas
Existem duas possibilidades:
- um
direito fundamental, titularizado por pessoas diferentes.
Exemplo:
As escolas públicas, na região da Baviera (Alemanha), tinham
crucifixos. A maioria da população era católica. Um grupo de mórmons pediu a
retirada dos objetos. A questão foi levada ao Supremo. O católicos ressaltavam
os aspectos positivos, os mórmons, os negativos. Como a Alemanha é – como o
Brasil – um estado laico, decidiu-se pela neutralidade e a retirada dos
crucifixos.
-
colisão de direitos fundamentais distintos.
Exemplo: O caso Glória Trevi. Ela afirmou que fora estuprada
por policiais federais. Conflito: direito à privacidade, à intimidade e à
honra, à imagem, à integridade, que pertence à Glória Trevi e, de outro lado, o
direito da mesma Glória Trevi a se submeter ao exame de DNA, além da segurança
pública e da moralidade administrativa.
O Supremo entendeu por autorizar o exame e determinou a
realização do exame de DNA na placenta da cantora mexicana. Ao final, o
interesse público prevaleceu e a cantora assumiu que o pai de seu filho era de
seu empresário (2).
Colisões
impróprias
É a colisão entre um direito fundamental e outro direito
fundamental (3). Por exemplo, um direito fundamental individual e um direito da
comunidade; o direito de locomoção versus a saúde pública; entre o direito de
propriedade e o patrimônio histórico. Como essas colisões são resolvidas?
Os elementos tradicionais de hermenêutica não são
suficientes. Por isso, há uma técnica: a ponderação,
usada nos casos difíceis (hard cases).
Como é feita a ponderação?
Pode ser dividida em três etapas:
1.
Identificação ds normas e o seu agrupamento.
A primeira etapa de uma ponderação de interesses é
identificar as normas e agrupá-las. Exemplificando com o mesmo caso Glória
Trevi:
- direito à integridade, à privacidade – apontam em uma
direção;
X
- direito à moralidade – apontam no sentido oposto.
2.
Análise das circunstâncias concretas e suas conseqüências
Há dois aspectos importantes:
- Não existe, abstratamente, uma hierarquia dos direitos
constitucionais. O direito à vida, por exemplo, não está acima dos outros
direitos. Se todos os direitos estão no mesmo documento, não há uma hierarquia.
É claro que há uns valores mais importantes, mas não existe hierarquia
abstrata.
Peso
relativo dos princípios
Depende do caso concreto. O que é mais importante: o direito
à vida ou a segurança nacional, em caso de guerra? A sexualidade ou o direito à
vida? O aborto em caso de estupro ou o direito à vida?
Exemplificando: Um seqüestrador detém um refém de dez anos.
Afirma: “Se não me entregar, em duas horas, um carro, dinheiro etc, eu mato
esta criança.” O marginal está na mira de um policial de elite. Se entregarem o
que ele deseja, a vida e a integridade, tanto do seqüestrador como do refém
estarão preservadas. Entretanto, as conseqüências
práticas têm que ser levadas em consideração. O que a concordância
incentivaria?
Princípios são mandamentos de otimização. São normas que
ordenam que algo seja cumprido na maior
medida possível. Os princípios envolvidos e as circunstâncias concretas.
É preciso dar um peso
a cada um desses grupos de normas. A cada elemento:
Direito fundamental x direito fundamental.
Lei de
Ponderação
Quanto maior for a afetação de um princípio ou grupo de
princípios, maiores devem ser os motivos justificadores desta intervenção.
Sempre haverá a restrição a um grupo de direitos. Quanto maior a restrição,
maior a justificação. Corresponde à ponderabilidade em sentido estrito, à
proporcionalidade em sentido estrito.
Princípio
da proporcionalidade
Adequação corresponde à relação entre meios e fins.
- exigibilidade
(ou necessidade, ou menor ingerência possível). Não basta que o meio seja
adequado. Deve ser o menos oneroso possível.
A ponderação concede um poder muito amplo ao aplicador do
direito.
Parâmetros
gerais
1. Não existem direitos absolutos. Todos os direitos são
relativos.
Princípio da relatividade ou da convivência das liberdades
públicas: para que as liberdades possam conviver é preciso limites. A minha
liberdade termina quando começa a do outro.
As regras tem uma
medida exata de sua prescrição. Esta
norma tem sua hipótese e suas exceções. É aplicada de forma automática.
Não existem direitos absolutos. Assim, não existem princípios
absolutos. Um exemplo é o direito à vida.
Se existisse um direito absoluto e duas pessoas são titulares
desse direito, como seria resolvido esse conflito?
Por conclusão, todo direito é relativo.
2.
Dignidade da pessoa humana
A dignidade não é um direito. É um atributo. Que todo ser humano possui, independentemente da
Constituição. É um atributo que encontra proteção no ordenamento jurídico.
Autonomia
da vontade
Exemplo: arremesso de anões. Surgiu nos Estados Unidos e na
Austrália, mas encontrou grande repercussão na França.
Na Comissão Friedman afirmou-se que fere a dignidade da pessoa
humana. O Conselho de Estado francês decidiu, por fim, pela paralisação dos
arremessos. Os anões e as casas noturnas recorreram, porque diziam que sua
dignidade fora afrontada pelo desemprego e pelo isolamento. Os anões passaram a
receber pensão do governo.
Quem tem legitimidade?
A autoridade ou a própria pessoa.
A dignidade é o núcleo da pessoa humana?
Outro exemplo: big brother: é uma decisão pessoal, pela qual
lutam, para se submeter à uma temporária abdicação da privacidade.
Outro aspecto:
Desacordo
moral razoável
Uma ausência de consenso entre duas posições, ambas
racionalmente defensáveis, em sentidos opostos. Nesse caso, o papel do Estado é
não interferir com a imperatividade, prevalecendo a autonomia da vontade.
Lei 3.510. Células-tronco. Aborto anencefálico.
Anencefalia. Como surge a vida? Não existe um consenso.
O Estado brasileiro é um estado laico, desde a república.
Significa que não tem religião oficial. As decisões não podem se pautar pelos
parâmetros religiosos (4).
Critérios
específicos
Direito
à privacidade x direito à informação
A ponderação de interesses não é subjetiva. Ao contrário,
existe para que cada juiz não decida segundo suas convicções pessoais.
Direito à privacidade: Art. 5º, inciso X: “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
- intimidade – por exemplo, os segredos pessoais
- vida privada – o que compartilhamos com os amigos
- honra
- imagem
X
- liberdade de informação
- liberdade de expressão
Liberdade
de expressão é gênero, e abrange:
- a liberdade de
manifestação do pensamento (Art. 5º, “IV - é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”). A liberdade de
manifestação do pensamento é uma questão de juízo pessoal, não se perquirindo
se o uso da liberdade expressa verdades ou mentiras.
- a liberdade
de expressão, propriamente dita: artística (charges, caricaturas: também
não envolvem a verdade), científica e de comunicação (Art. 5º, IX - é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença).
- a liberdade
de informação, da qual decorre a liberdade de imprensa (Art. 5º, é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional). Relacionado à liberdade de informação,
temos ainda o art. 220 da Constituição, que assim dispõe:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação,
a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição.
§ 1º -
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em
qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V,
X, XIII e XIV.
§ 2º -
É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º -
Compete à lei federal:
I -
regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar
sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e
horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II -
estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade
de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas
e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º -
A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos
e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do
parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os
malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º -
Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto
de monopólio ou oligopólio.
§ 6º -
A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de
autoridade.”
A liberdade de expressão, em seu segmento liberdade
de informação e relacionada à liberdade de imprensa (inciso XIV do Art. 5º e ao
Art. 220), deve considerar alguns aspectos:
1. Veracidade da
informação
Não é uma verdade objetiva, mas subjetiva. O órgão da
imprensa não pode agir com culpa ou dolo.
2. Forma de obtenção
da informação
Se obtida a informação com o uso da tortura ou de forma
clandestina a liberdade não é assegurada.
3. Questão de domínio
público
Não fere a privacidade
porque todos já sabiam. Um exemplo poderia ser a veiculação da informação de
que Cazuza tinha AIDS.
4. Transmissão
adequada
Aspectos pessoais
DIREITO
À PRIVACIDADE OU DIREITO À INFORMAÇÃO:
Princesa Caroline de Mônaco: Pediu que não fosse autorizada a
veiculação de suas fotos fazendo coisas rotineiras. O tribunal alemão negou.
Corte européia de direitos humanos: A informação, para que se
sobreponha à privacidade, é preciso interesse geral público.
Qual o interesse em ver uma pessoa famosa fazer compras?
Votos:
a) Existe um direito juridicamente tutelável ao
entretenimento, e por isso o critério a ser utilizado seria o da expectativa da
privacidade e não o interesse na informação. Exemplo: Em uma academia – local privado
= expectativa; fazendo compras – local público.
Esse critério foi o utilizado no caso do STJ e da Daniela
Cicarelli.
Uma mulher nova, na praia de Santa Catarina, sem a parte
superior do biquíni, em pé: a foto foi publicada em um jornal catarinense. A
moça entrou com uma ação de indenização por danos morais. O STJ afirmou que a
garota estava na praia, com os seios desnudos, para o deleite da multidão.
O direito à privacidade prevalece ao da informação quando:
- não há interesse geral;
- a pessoa está em local reservado e não em local aberto ao
público.
Em local público não há proteção.
Daniela Cicarelli: 52 mil apontamentos no Google:
1. é inócuo;
2. quando estavam na praia, sabiam que poderiam ser filmados,
porque estavam na Grécia e foram seguidos por jornalistas.
No tribunal brasileiro foi considerada a expectativa de
privacidade, diferentemente do tribunal europeu.
NOTAS QUE
CONSIGNO:
(1) A respeito: Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais
e controle das políticas públicas, de Ana Paula de Barcellos, disponível em http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf “Além dos
conflitos específicos, o neoconstitucionalismo
convive ainda com um conflito de caráter geral, que diz respeito ao próprio
papel da Constituição. Trata-se da oposição entre duas idéias diversas acerca
desse ponto. A primeira delas sustenta que cabe à Constituição impor ao cenário
político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e
consensuais. Essa primeira concepção pode ser descrita, por simplicidade, como substancialista. Um grupo importante de
autores, no entanto, sustenta que apenas cabe à constituição garantir o
funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo
da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas
opções políticas. Nenhuma geração poderia impor à seguinte suas próprias convicções
materiais. Esta segunda forma de
visualizar a Constituição pode ser designada de procedimentalismo” (grifei)
(2) “Quinta-feira, 21
de Fevereiro de 2002. Interesse público prevalece em julgamento de Gloria
Trevi. O Plenário do Supremo Tribunal Federal autorizou e determinou hoje
(21/2) ao juízo federal a realização do exame de DNA na placenta da
cantora mexicana Glória Trevi, para que se descubra quem é o pai de seu filho,
que nasceu na segunda-feira passada (18/02), e que seria fruto de um estupro
ocorrido nas dependências da Polícia Federal.
Os decidiram por
maioria, sendo voto vencido o ministro Marco Aurélio. Na primeira parte do
julgamento o Pleno decidiu, por maioria, que deveria apreciar a Reclamação (RCL
2040) apresentada pelos advogados da cantora.
“O Tribunal entendeu
que somente ele poderia determinar o exame de DNA e conheceu do pedido
formulado como Reclamação porque o juiz teria usurpado a competência do Supremo
Tribunal Federal ao se dirigir diretamente ao hospital e determinar a coleta da
placenta e também a entrega do prontuário médico. Isto não estaria na sua
competência, embora ele dirija o Inquérito incurso na Vara e não aqui no
Supremo”, explicou o ministro Marco Aurélio. “Como extraditanda ela está sob a
custódia do STF”, completou.
Nesta parte foram
vencidos os ministros Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello e Marco
Aurélio. O ministro Pertence criticou o zelo da “tutela universal do
extraditando, (..) em que qualquer fato ocorrido na área cível, penal,
tributária que envolva um extraditando deixaria o Plenário 24 horas à
disposição de qualquer fato que ocorre com o extraditando”, o que
inviabilizaria os trabalhos da Casa.
Na segunda parte, foi
indeferida, por unanimidade, a entrega do prontuário da paciente Glória Trevi,
permanecendo sob sigilo médico no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).
Quanto à realização
do exame de DNA, por maioria de votos, os ministros resolveram autorizar o juiz
da 10ª Vara Federal do Distrito Federal a recolher a placenta para a coleta do
material genético, com o intuito de se conhecer o pai da criança.
Os ministros
defenderam que o interesse público se sobrepõe aos interesses individuais da
extraditanda (Glória Trevi).“O interesse público prevaleceu sobre a elucidação
do enigma da gravidez”, disse Marco Aurélio.
“Opondo-se aos
direitos fundamentais da reclamante existem os direitos fundamentais dos 60
agentes que têm seus direitos também afetados porque estão sob suspeita”,
salientou o ministro Maurício Corrêa.
“Imagem e honra da
Polícia Federal estariam abaladas com as declarações feitas pela cantora Glória
Trevi, sem falar da exposição a que ficaram submetidas todas as instituições
nacionais e o próprio país”, destacou o ministro Carlos Velloso, que defendeu
ainda o direito da criança de saber a verdadeira identidade de seu pai
biológico.
Os ministros
entenderam que os interesses pessoais dos policiais suspeitos do crime de
estupro se sobrepõem ao de Glória Trevi. Isso porque os policiais não se
recusaram a fazer o exame sangüíneo para solucionar a dúvida sobre a
paternidade do bebê que ela carregava, atitude que não foi seguida por Glória
Trevi que, como destacou o ministro relator Néri da Silveira, “em nenhum
momento contribuiu para a elucidação dos fatos, nem livrou que as imagens dos policiais
e da Polícia federal fossem maculadas”.
“Caprichosamente, ela
(Glória) se recusa a realizar o exame. Os fatos ocorridos não passaram de um
ardil da extraditanda”, apontou Néri.
O procurador Geral da
República, Geraldo Brindeiro, ressaltou que “o crime de estupro já decaiu, pois
a vítima não registrou queixa-crime”. A vítima tem apenas seis meses para
registrar sua queixa ou apresentar representação (artigo 39 do Código de
Processo Penal), a partir do momento que toma conhecimento de quem cometeu o crime,
o que a cantora não fez.
O ministro Celso de
Mello demonstrou que “a garantia constitucional à intimidade não tem caráter
absoluto, pois necessidades públicas podem restringir direitos individuais em
benefício da comunidade, com combate aos atos ilícitos ressaltados”.
Já Sepúlveda Pertence
lembrou que a cantora mexicana expôs a imagem de todos sem se dispor a
individualizar quem seria o pai da criança, pois somente quis generalizar, “ao
devassar inteiramente as instâncias da sua gravidez e da paternidade do seu
filho”.
Marco Aurélio, por
sua vez, afirmou não estar claro o direcionamento das investigações, não se
sabendo ao certo o que se quer realmente apurar.
“O inquérito não tem
um objetivo perceptível no âmbito penal, porque, para o estupro, se o inquérito
se dirige a isso, ele dependeria de representação da vítima, o que não ocorreu.
Logo, não houve a condição de procedibilidade da ação penal. Para o sexo
consentido com policiais, a configuração é de um ilícito administrativo e não
de um ilícito penal, porque não se tem um fato típico para se punir alguém que
teve relações sexuais com uma presa com seu consentimento.”, advertiu.
Ele lembrou ainda que
“a placenta poderá servir no futuro a uma condenação dela por crime de calúnia.
Porque, a partir do momento que ela revelou não ter consentido a relação sexual
com um servidor público, e ficar apurado que o filho não é de um policial, mas
sim, de outra pessoa ou de um preso, ela cometeu um crime de calúnia ao afirmar
que teria sido vítima de estupro daquela pessoa”.
Com a decisão, o juiz
federal deverá adotar as providências administrativas necessárias à realização
do exame.”
Fonte: STF
(4) A respeito: O dominio de La vida, de Ronald Dworkin.
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